São tantas e tão graves as medidas deste governo para degradar as condições de trabalho dos professores que se torna difícil escolher a pior de todas elas. Mas a mais odiosa de todas, tendo em conta o desprezo que revela pela dimensão reflexiva e criativa da actividade docente, é o aumento brutal do horário de trabalho dos professores, que ultrapassa largamente as 35 horas definidas na lei.
Todos sabemos que as aulas implicam um grande dispêndio de energia mental, afectiva e física. O trabalho docente começa antes e prolonga-se para lá de cada aula. Daí que um professor precise de um horário semanal pouco pesado que lhe permita investigar, planificar, produzir materiais de ensino, avaliar, repensar e redefinir o seu trabalho. Nada disto parece impressionar Maria de Lurdes e seus dois muchachos. Pelo contrário, em nome da pseudo ocupação plena dos alunos e do chamado aproveitamento racional dos recursos humanos, querem transformar a escola num armazém de criancinhas e os professores em máquinas para todo o serviço, que saibam de tudo um pouco e muito de coisa nenhuma, numa estratégia clara para diminuir ainda mais o seu reconhecimento social.
A sobrecarga e desregulamentação do horário de trabalho é uma consequência natural deste processo de desqualificação profissional e, simultaneamente, um factor do seu aprofundamento. Com efeito, passou a ser trivial o trabalho descontínuo, sem limite de furos, sem limite de turmas, sem limite de programas, muitas vezes repartido pelas três partes do dia, com reuniões a torto e a direito a propósito de tudo e de nada (71% das funções prescritas no art. 35º do ECD implicam a realização de reuniões), ao que se acrescentam fins de semana inteiramente ocupados na preparação de aulas, correcção de testes e satisfação de minudências burocráticas.
Nesta como noutras matérias, depois da grandiosa Marcha da Indignação, esse trio de ataque instalado na 5 de Outubro sentiu-se obrigado a refrear o instinto malfazejo, aceitando salvaguardar um tempo mínimo para o trabalho individual, que passou a ser de 8 horas para os docentes do pré-escolar e 1º ciclo, e de 10 ou 11 horas (conforme se tenha menos ou mais de 100 alunos) para os docentes dos outros ciclos do ensino básico e ensino secundário. Temendo, no entanto, que esse tempo pudesse ser em demasia, logo trataram de tirar com a mão direita o que deram com a esquerda, integrando nessas horas as reuniões de carácter ocasional. Como as reuniões de carácter ocasional se tornaram quase tão frequentes como as de carácter regular, esse tempo indispensável para o trabalho individual fica, na maior parte das semanas, substancialmente diminuído, obrigando os professores a trabalho extraordinário e gracioso.
Salvo honrosas excepções, o zelo revelado pelos Conselhos Executivos em cumprirem por excesso as orientações ministeriais, e a passividade e subserviência dos Conselhos Pedagógicos, têm contribuído para a elaboração de horários segundo a bitola mais pesada da legislação, cumprindo escrupulosamente o mínimo de horas para o trabalho individual, atribuindo à componente não lectiva de estabelecimento 2 ou 3 horas, apesar de, pelo despacho 19.117/2008, apenas serem obrigados a atribuir 1 hora. O mesmo despacho estipula que, para actividades de substituição, a nenhum docente com horário lectivo completo devem ser atribuídas mais de 50% das horas da sua componente não lectiva de estabelecimento. Verificamos com profunda tristeza, mas já sem espanto, que nem esta orientação é respeitada por alguns Executivos. Por isso, é fundamental manter, não só uma atitude de resistência em relação ao Ministério, mas também uma atitude de vigilância em relação aos Conselhos Executivos, verificando se cada horário consagra, pelo menos, os magros direitos pela força conseguidos. O quadro seguinte procura sistematizar a organização dos horários no respeito pela lei.
Horário dos docentes (2º, 3º e Secundário) de acordo com o ECD e Despacho 19.117/2008 | ||||||
Componente lectiva e não lectiva (registada nos horários) - c) | Componente trabalho individual (não registada nos horários) | |||||
Componente lectiva (blocos 90') | Componente não lectiva de estabelecimento (blocos 90') – b) | Até 100 alunos | 100 ou + alunos | |||
Até 100 alunos | 100 ou + alunos | Redução art. 79º | ||||
| a) |
1,5 bloco (no máximo) |
1 bloco (no máximo) |
|
10 horas |
11 horas |
11 | 1 | 0 | ||||
10 | 1 | 1 | ||||
9 | 1 | 2 | ||||
8 | 0,5 | 3 | ||||
7 | 0,5 | 4 |
a) Apoios educativos e/ou actividades de enriquecimento e complemento curricular.
b) O número de horas destinado a actividades de enriquecimento e complemento curricular no âmbito da ocupação plena dos alunos não pode exceder 50% da componente não lectiva atribuída ao docente.
c) De acordo com o art. 83º do ECD, todo o serviço prestado pelos docentes para além do número de horas registadas no seu horário de trabalho é considerado serviço extraordinário.
Em nenhuma circunstância poderá o horário de trabalho ter registados mais de 27 tempos (de 45'). Na melhor das hipóteses terá sempre 24 tempos (de 45'). Sempre que se verifique algum abuso, devem os professores utilizar a minuta de reclamação disponível no site da Fenprof.
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