domingo, 14 de dezembro de 2008

Avaliadores da Escola Secundária de Bocage: um exemplo de Coerência e Coragem.

Coerência E Coragem

Hoje, 10 de Dezembro de 2008, os coordenadores e avaliadores, membros do Conselho Pedagógico da Escola Secundária de Bocage, em Setúbal, demitiram-se das suas funções de avaliadores (à excepção de 2). Os membros da Comissão de Coordenação de Avaliação do Desempenho demitiram-se todos em bloco. Também, a maioria de todos os professores avaliadores da escola seguiram o exemplo, subscrevendo o seguinte documento:

Exma. Senhora Presidente do Conselho Pedagógico

Caros Conselheiros

Colegas

Depois de reflectir sobre o Modelo de Avaliação proposto pelo Decreto Regulamentar nº 2/2008, a que todos estamos sujeitos durante este ano lectivo, cheguei à conclusão de que ele prova ser um modelo, acima de tudo, inexequível, burocratizado e gerador não da qualidade que se deseja, mas de inevitáveis conflitos entre pares, não contribuindo para um melhor funcionamento da Escola, para a sua estabilidade ou para o sucesso dos alunos, mas sim para a sua descredibilização e degradação.

Este Modelo de Avaliação, penalizador para todos os seus intervenientes, também não foi criado, na minha opinião, com o objectivo de melhorar as práticas docentes, mas para influenciar o resultado escolar dos alunos: o docente é directamente responsabilizado pelo sucesso ou insucesso dos alunos e da Escola quando, de facto, as avaliações são apenas propostas em Conselho de Turma, órgão que decide a avaliação final de cada aluno.

Outro dos objectivos deste Modelo é o de preencher ou esvaziar lugares, em quotas previamente estabelecidas, no que respeita a classificações mais elevadas, servindo interesses economicistas. O regime de quotas impõe uma manipulação dos resultados da avaliação, gerando nas escolas situações de injustiça e parcialidade, devido aos "acertos" impostos pela existência de percentagens máximas para atribuição das menções qualitativas de Excelente e Muito Bom, estipuladas pelo Despacho n.º 20131/2008, e que reflectem claramente o objectivo economicista de um Modelo não formativo, mas classificativo e limitador da progressão na carreira. E como serão atribuídos os Muito Bons e Excelentes quando o Modelo não é equitativo e não tem em consideração as diferentes variantes e variáveis a que o docente está sujeito em cada ano lectivo? De acordo com a legislação sobre matéria de concursos que se prepara para ser implementada, os professores em situações futuras de concurso poderão vir a ser prejudicados, visto que a referida legislação pretende adulterar a graduação profissional dos professores através da introdução desta nova variável, a classificação obtida na avaliação de desempenho.

Sendo um Modelo complexo, complicado e confuso que rouba cada vez mais tempo à preparação efectiva do meu trabalho lectivo, à reflexão necessária à ponderação de tantos aspectos que não são "contáveis" nem "contabilizáveis" na relação pedagógica com os alunos, são várias as questões que se me colocam, que o tornam injusto e impraticável, não valorizando, mas penalizando, de facto, o trabalho dos docentes.

Estou plenamente de acordo com a necessidade da avaliação do desempenho e considero de grande importância que esta questão seja debatida, a nível nacional, por todos os seus intervenientes, na busca de um Modelo justo e amplamente discutido e aceite pelos docentes, utilizando documentos iguais para todos os docentes, de todas as escola do país; e não, como no actual processo, em que cada escola elabora os seus documentos, uns mais facilitadores, outros menos.

Não posso concordar que a avaliação de desempenho e a progressão na carreira dos docentes sejam baseadas em itens que os ultrapassam, como o abandono escolar (directamente ligado ao background sócio-económico e familiar do aluno), o sucesso alcançado (sem ter em consideração que cada aluno e turma têm as suas especificidades) e a avaliação final dos alunos (da responsabilidade do Conselho de turma e não do docente em si).

Não concordo que as recomendações do Conselho Científico para a Avaliação de Professores não sejam respeitadas pelos órgãos dirigentes do Ministério da Educação, continuando estes na sua linha autista de desprezo pelas recomendações desse órgão por ele nomeado, mas que por ele não se deixou intimidar.

Não concordo, ainda, com o tipo de avaliação preconizada, isto é, entre pares. Qualquer especialista em avaliação aponta, como princípio básico, que NUNCA a avaliação deve ser efectuada por pares, pois é geradora de conflitos e de mal-estar entre colegas, de uma carga maior de parcialidade, podendo criar desigualdades e injustiças entre avaliados:

- a maioria dos avaliadores não recebeu formação adequada para avaliar os seus pares (e quando essa é oferecida, ela é em manifesta transgressão das mais elementares regras de prestação de trabalho, fora do horário de trabalho do docente, sem remuneração extraordinária); eles, avaliadores, não têm qualquer experiência a esse nível; eles, avaliadores, não vão ser avaliados, como previsto, por um inspector; dá-se ainda o caso pouco ortodoxo de alguns avaliadores poderem ser de grupos disciplinares diferentes dos avaliados, não ficando garantida a equidade e justiça necessárias a um processo de avaliação;

- e aqueles casos em que o avaliado tem uma formação académica mais sólida do que o avaliador, por ter decidido enriquecer-se na sua prática profissional com estudos pós-licenciatura? Quantos mestres e doutores irão ser avaliados por colegas licenciados? Pouca ou nenhuma credibilidade se pode dar a este desconcerto;

- a avaliação dos professores vai ser realizada por outros professores, parte pessoalmente interessada na avaliação dos seus colegas. Se existem quotas para as classificações mais elevadas, que garantia de isenção e justiça nos pode merecer a avaliação feita? As observações de aulas e a apreciação de materiais apresentados não serão feitas com base na amizade/inimizade pessoal? Quantos "ajustes de contas" se realizarão ao abrigo deste modelo de avaliação?

Não posso aceitar a quantidade e variedade de reuniões, planos, relatórios, grelhas, dossiers, portefólios e todo um conjunto de documentos que burocratizam todo o processo e afastam os professores da função científico-pedagógica inerente à sua profissão, para além de lhes aumentar descontroladamente a carga horária que fica muito acima das trinta e cinco horas semanais de trabalho.

Ponho em questão essa carga horária, não apenas no número de horas previsto para o trabalho individual, que é manifestamente insuficiente face à quantidade de tarefas que se exige, desde a planificação à elaboração e correcção de todo o tipo de testes, à reformulação do trabalho, mas também às horas previstas para os avaliadores planificarem, acompanharem, observarem, reflectirem, avaliarem e serem, ainda, coordenadores de Departamento, Directores de Turma, Membros da Comissão de Avaliação, participarem no Conselho Pedagógico ou noutras comissões, para além de serem, também, docentes das suas turmas, com todo o trabalho a isso inerente. E que dizer do facto da delegação de competências estar agora dependente da publicação do orçamento de estado…? Ainda por cima com efeitos retroactivos. Mas que país temos nós, se já o legislador pode ultrapassar os princípios mais sagrados do Direito e da Democracia?

E que dizer de todos os outros atropelos ao Código do Procedimento Administrativo, a que este modelo de avaliação conduz?

Por exemplo a avaliação do docente estar dependente, em parte, da melhoria dos resultados dos alunos, não garantindo a imparcialidade na intervenção em procedimento administrativo, conforme está definido nas alíneas c) e d) do artigo 44º, do CPA, podendo conduzir a que a avaliação sumativa final dos alunos seja considerada um acto nulo, conforme o disposto no artigo 133º do CPA.

Estas e muitas outras questões, que estão subjacentes a este Modelo, levam a que eu esteja solidário e concordante com vários milhares de professores deste país num sentimento comum de desagrado e total discordância deste modelo de avaliação, decidindo comunicar ao Conselho Pedagógico:

1 – A firme posição de me desligar de todas as actividades relacionadas com a avaliação, nomeadamente a demissão de membro da Comissão de Coordenação da Avaliação de Desempenho;

2 – A declaração de que não aceito qualquer actividade relacionada com esta Avaliação de Desempenho, dentro dos actuais moldes.

Solicito, ainda e formalmente, do Conselho Pedagógico:

1 – uma tomada pública de posição contra este Modelo de Avaliação preconizado pelo Decreto Regulamentar nº 2/2008;

2 – que exija ao Ministério da Educação a suspensão imediata de toda e qualquer iniciativa relacionada com a avaliação preconizada por este modelo, enquanto todas as limitações, arbitrariedades, incoerências e injustiças que enfermam o referido modelo de avaliação não forem clarificadas e corrigidas por parte do ME, ainda que, no presente ano lectivo, o modelo se encontre, apenas, em regime de experimentação, por não lhe reconhecer qualquer efeito positivo sobre a qualidade da educação e do desempenho profissional dos seus agentes;

3 – que se cumpra rigorosamente o horário de trabalho fixado por lei, respeitando também escrupulosamente, as suas diferentes componentes;

4 – a ampla divulgação desta posição a favor da Suspensão da aplicação deste Modelo de Avaliação.

Escola Secundária de Bocage, em Setúbal, 10 de Dezembro de 2008

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