sábado, 9 de janeiro de 2010

Para reler...


> O estatuto de aluno concede-lhe o direito de não reprovar por faltas. Se
> faltar, o problema não é dele. A escola é que terá que resolver o
problema.
> Tendo singrado na vida e atingido o fim da escolaridade sem saber ler nem
> escrever e mesmo sem ter posto os pés nas aulas, o estatuto de cidadão
> concede-lhe o direito de ter um emprego. Se faltar ao emprego como faltava
> às aulas, o problema não é dele. O patrão é que terá que resolver o
> problema.
> Se, por um impensável absurdo, for despedido, o problema não é dele. O
> estatuto de desempregado concede-lhe o direito de ter um subsídio de
> desemprego e o problema é do Estado.
> Se, na vigência do subsídio, faltar às entrevistas ou recusar novo
emprego,
> o problema não é dele. As suas habilitações arduamente conquistadas
> concedem-lhe o direito de escolher emprego compatível e o problema é do
> Instituto do Emprego, obrigado a arranjar-lhe ocupação, para não aumentar
as
> listas de desempregados.
> Se, por um novo improvável absurdo, ficar fora do esquema, o problema não
é
> dele, que o estatuto de cidadão com todos os direitos concede-lhe o
direito
> ao rendimento social de inserção.
> Que constituirá uma renda perpétua, pois o cidadão tem direito à
> existência!...
> Renda paga pelos portugueses e não, como devia ser, pelos autores desta
> celerada lei, fautora da indisciplina, do laxismo, do não te rales, da
> irresponsabilidade mais absoluta, fomentadora da exclusão social!...
> Por uma vez, tenho direito à indignação, com todas as letras: P... que os
> pariu!...

Pedido de desculpas


...claro que devem existir muitos mais... infelizmente.

Mas que veículo lindo!...


"O Natal que eu quero", Daniel Sampaio



A FOME, A CORRUPÇÃO E OS LUXOS...(Mário Crespo)

 Portugal precisa de jactos executivos para transporte de governantes?


Pronto! Finalmente descobrimos aquilo de que Portugal realmente precisa: uma nova frota de jactos executivos para transporte de governantes. Afinal, o que é preciso não são os 150 mil empregos que José Sócrates anda a tentar esgravatar nos desertos em que Portugal se vai transformando. Tão-pouco precisamos de leis claras que impeçam que propriedade pública transite directamente para o sector privado sem passar pela Partida no soturno jogo do Monopólio de pedintes e espoliadores em que Portugal se tornou. Não precisamos de nada disso.
Precisamos, diz-nos o Presidente da República, de trocar de jactos porque aviões executivos "assim" como aqueles que temos já não há "nem na Europa nem em África". Cavaco Silva percebe, e obviamente gosta, de aviões executivos. Foi ele, quando chefiava o seu segundo governo, quem comprou com fundos comunitários a actual frota de Falcon em que os nossos governantes se deslocam.
Voei uma vez num jacto executivo. Em 1984 andei num avião presidencial em Moçambique. Samora Machel, em cuja capital se morria à fome, tinha, também, uma paixão por jactos privados que acabaria por lhe ser fatal.
Quando morreu a bordo de um deles tinha três na sua frota. Um quadrimotor Ilyushin 62 de longo curso, versão presidencial, o malogrado Antonov-6, e um lindíssimo bimotor a jacto British Aerospace 800B, novinho em folha. Tive a sorte de ter sido nesse que voei com o então Ministro dos Estrangeiros Jaime Gama numa viagem entre Maputo e Cabora Bassa. Era uma aeronave fantástica. Um terço da cabina era uma magnífica casa de banho. O resto era de um requinte de decoração notável. Por exemplo, havia um pequeno armário onde se metia um assistente de bordo magro, muito esguio que, num prodígio de contorcionismo, fez surgir durante o voo minúsculos banquetes de tapas variadíssimas, com sandes de beluga e rolinhos de salmão fumado que deglutimos entre golinhos de Clicquot Ponsardin. Depois de nos mimar,
como por magia, desaparecia no seu armário. Na altura fiz uma reportagem em que descrevi aquele luxo como "obsceno". Fiz nesse trabalho a comparação com Portugal, que estava numa craveira de desenvolvimento totalmente diferente da de Moçambique, e não tinha jactos executivos do Estado para servir governantes.


Nesta fase metade dos rendimentos dos portugueses está a ser retida por impostos. Encerram-se maternidades, escolas e serviços de urgência. O Presidente da República inaugura unidades de saúde privadas de luxo e aproveita para reiterar um insuspeitado direito de todos os portugueses a um sistema público de saúde. Numa altura destas, comprar jactos executivos é tão obsceno como o foi nos dias de Samora Machel. Este irrealismo brutalizado com que os nossos governantes eleitos afrontam a carência em que vivemos ultraja quem no seu quotidiano comuta num transporte público apinhado, pela Segunda Circular ou Camarate, para lhe ver passar por cima um jacto executivo com governantes cujo dia a dia decorre a quilómetros das suas dificuldades, entre tapas de caviar e rolinhos de salmão. Claro que há alternativas que vão desde fretar aviões das companhias nacionais até, pura e simplesmente, cingirem-se aos voos regulares.


Há governantes de países em muito melhores condições que o fazem por uma questão de pudor que a classe que dirige Portugal parece não ter.
Vi o majestático François Miterrand ir sempre a Washington na Air France. Não é uma questão de soberania ter o melhor jacto executivo do Mundo. É só falta de bom senso. E não venham com a história que é mesquinhez falar disto. É de um pato-bravismo intolerável exigir ao país mais sacrifícios para que os nossos governantes andem de jacto executivo. Nós granjearíamos muito mais respeito internacional chegando a cimeiras em voos de carreira do que a bordo de um qualquer prodígio tecnológico caríssimo para o qual todo o Mundo sabe que não temos dinheiro.


Mário Crespo. Jornalista