quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Docência


A Página da Educação

E, para que se entenda mais adequadamente a minha reflexão, cito o que dizem alguns docentes (1)

O Governo do Partido Socialista teria decidido atacar os direitos profissionais e sociais dos trabalhadores e apoiar descaradamente os interesses mais cegos do capital, se o clima internacional, e o nacional, não estivessem contaminados pelo espírito do neoliberalismo e pela bebedeira da especulação e do lucro a qualquer preço? Estou convencido que não. Ora isso quer dizer que a política de Sócrates & companhia não assenta em convicções estruturadas, mas é apenas um mimetismo do poder dominante. Coisa fraca que muda ao sabor da direcção dos ventos que sopram.
Sócrates não foi o inventor deste comportamento do bom discípulo que gosta de engraxar os mestres. Ele deu continuidade à postura já antes assumida por Durão Barroso & companhia. Ambos perceberam várias coisas, interrompidos brevemente pelo meio por Santana que não percebeu nada. Durão e Sócrates perceberam que dificilmente se é herói, ou ditador, em tempos de normalidade. Os heróis são um produto dos tempos dramáticos. E eles criaram um clima dramático. Um clima que lhes permitiu assumirem-se como heróis e salvadores da pátria desgraçada. Clima pesado, a promover o vazio na cabeça da maioria do povo levando-o a aceitar ser saqueado e a permitir que os governos prestem vassalagem aos poderosos.
Este clima dramático, em que estes actores escolheram actuar, começou com o discurso da tanga de Durão e teve continuidade no discurso de Sócrates sobre a crise e a luta contra o deficit. Para mal dos nossos pecados tem agora continuação e sustentação mais real na crise internacional.
Este é, portanto, um tempo propicio ao nascimento de heróis e ditadores na esfera do poder. Um tempo capaz de proporcionar o clima que permite criar na cabeça da maioria do povo o espaço vazio necessário à aceitação, como mal menor, de todas as desgraças e todas as pauladas que os senhores resolvam fazer chover sobre ele.
Hoje, numa rádio, dei por mim a escutar um exemplo significativo desta exploração do discurso da crise. Um individuo, apresentado como representante das pequenas e médias empresas, afirmava exaltado que «vão fechar milhares de empresas, vão para o desemprego milhares de trabalhadores se o governo não desistir de fazer política eleitoral e não recuar na ideia de aumentar o salário mínimo nacional». Fiz contas e conclui que tal aumento é de 24 euros mensais. Isto é, o que para mim é um insulto (24 miseráveis euros mensais) para o figurão é uma catástrofe.
Nós sabemos que enquanto os heróis de fresco apelavam para a necessidade do povinho se resignar à tanga, outros figurões, como os fundamentalistas do mercado e os administradores e gestores de entidades baseadas no jogo das acções, nos produtos financeiros, uns estruturados outros imaginados, nos fundos de pensões, nos fundos imobiliários, nos fundos de fundos e noutras formas de criar riqueza virtual e pobreza real, enchiam a barriga e o mealheiro até rebentarem ou até o diabo escandalizado gritar, bonda![2]
Convém recordar que o apelo ao povo para que se sacrifique, aumente o tempo de trabalho e reduza os seus já parcos rendimentos, tem como pano de fundo um mundo onde 1,2 biliões de pessoas sobrevivem com menos de um dólar por dia e 2,8 biliões sobrevivem aquém dos 2 dólares diários. E para não ficarmos mais indignados não escrevo o número dos milhões que morrem de fome ou de doenças facilmente curáveis. É também a estes que despudoradamente os pregadores da tormenta da crise apelam para que se contenham, nos seus gastos sumptuários e se envergonhem dos seus «privilégios»!
A esta conjuntura, sem princípios e sem ética, não fugiu nem podia fugir a escola. Foi este o clima que permitiu à ministra da educação & companhia fazer a vida negra a funcionários e professores. A chamada bolha da especulação financeira rebentou e está a espalhar pelo mundo a peste acumulada. Será que a bolha da política educativa tóxica, produzida por Maria de Lurdes, também vai rebentar? Rebentará de madura, por si, ou será preciso picá-la? Que é preciso que rebente, é. Enquanto não rebentar não é possível limpar e iniciar o tratamento dos males educativos que entretanto cresceram.
A provar a necessidade de rebentar a bolha está o clima doentio que se vive nas escolas. Para que se entenda mais adequadamente a minha reflexão, cito o que dizem alguns docentes: uma professora diz-me que «o pior agora na minha escola é a prepotência do presidente do conselho executivo. Desde que se lhe meteu na cabeça que vai ser director está impossível. Agora as boas relações cultiva-as com o presidente da junta e com os da câmara. Com os funcionários e professores está sempre com duas pedras na mão (...) Vê lá que até mandou vir um pontómetro! E dizem que funcionários e professores têm todos de passar a picar o ponto. Isto é legal?», interroga-me. E acrescenta: «diz-se que ele terá dito que o tempo de permanência na escola vai servir para pontuar na avaliação!» E conclui: «a pontuar assim até parece que vai haver um campeonato da permanência na escola.»
Outro professor diz que o pior é a relação com os alunos. «Eles não querem aprender seja o que for. Têm lá o seu mundinho e chateiam-se com tudo o que os tire de lá (...) já não tenho gozo nenhum em ensinar. A verdade é que eu já não ensino nada, gasto o tempo a querer ensinar». E acrescenta: «É uma frustração. Com este ambiente só apetece ir embora, estou farto».
Já outra professora diz-me que «o pior, mesmo o pior, são os pais. Não se pode ter uma atitude de autoridade - não é autoritarismo - porque os meninos zangam-se e vão fazer queixinha para casa. Depois os pais vêm à escola e temos o caldo entornado (...) alguns já não se ficam pelos berros e pelos insultos, este ano já são duas as colegas que levaram uns bons safanões (...) e não são só os pais dos meninos dos dois bairros sociais que ficam aqui perto. Há outros paizinhos e mãezinhas que ficam muito enfadados se dermos um simples ralhete ao menino ou à menina».
Mas a maioria parece centrar as queixas no clima criado pela burocracia avaliativa e a irracionalidade e violência dos horários. Confessa-me um professor: «Estou no 9º escalão e já não tenho nem tempo, nem pachorra, nem vontade para me adaptar a estas novas modas (...) eu gostava era de trabalhar com os alunos e agora é preciso esquecer os alunos e pensar nos colegas e na papelada. Não tenho jeito para pide e lá me vou arrastando até me poder ir embora (...) já não me importo de sair para a reforma com penalização. Já me penalizaram que chegue».
Os exemplos deste clima escolar negro são abundantes e esclarecedores. Se a bolha não rebenta mais depressa é porque o mercado de trabalho está também ele falido.
O poder dos trabalhadores aumenta na razão directa do aumento da oferta de trabalho compatível com as suas qualificações no mercado de trabalho. Se o nosso mercado de trabalho oferecesse emprego compatível, noutras áreas de actividade, acontecia em Portugal o que acontece noutros países: os professores abandonavam a profissão em passo de corrida e não pensavam na aposentação. O que os segura na escola já não é a vontade de lá estar. O que os segura é a ausência de outras ofertas de trabalho. Ora, quem quer uma boa escola sabe que não há pior situação do que esta. A boa escola exige que quem lá está - sejam alunos, professores ou funcionários - sinta o prazer de lá estar. Não é o caso da nossa escola hoje. E isso sim, é uma tragédia. E os que resistem a esta política educativa tóxica são uns heróis.

Sem comentários: