quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A Avaliação dos Professores explicada às crianças

A Avaliação dos Professores explicada às crianças
(O Simplex anunciado saiu Durex furado)



1 – Avaliação dos alunos como avaliação dos professores
Para que primeiro se entenda o que se quer significar com a imparcialidade no acto de avaliar, referindo-se à circunstância em que o professor avalia o aluno sem qualquer constrangimento que resulte numa deturpação dessa tarefa, utiliza-se um exemplo que se julga explícito:
Considere-se um árbitro que, para progredir na sua carreira (e ver o seu salário aumentar), depende, não das suas justas arbitragens, mas da vitória da equipa que envergue camisolas com a cor branca.
À partida parece uma condição ridícula, pois isso escapa à sua intervenção, assim como no caso dos professores, e no que diz respeito aos seus alunos, os factores de ordem social, familiar e até determinados factores escolares, escapam ao seu controle, mas, mesmo assim, passam a interferir na sua avaliação. Continuemos com o exemplo:
Mesmo dependendo da vitória das equipas que envergam camisolas com a cor branca este árbitro é obrigado a arbitrar jogos dessas equipas. Logo, se em campo se defrontarem duas equipas e uma delas envergar camisolas com a cor branca, esse árbitro é obrigado a “julgar em causa própria”.
A incompatibilidade torna-se evidente.
Será que o árbitro vai ser justo quando a sua vida profissional (e pessoal) dependem da vitória dessa equipa? Se a equipa que enverga camisolas com a cor branca ganhar, a sua vitória será insuspeita? Ou seja, será que essa equipa pode acreditar que venceu porque merecia?
Será então justo, no contexto escolar, não deixar bem claro ao aluno que este obteve bons resultados como fruto do seu mérito próprio, deixando subsistir a terrível dúvida que, para além do seu esforço, pode ter prevalecido uma necessidade alheia? A incontestável mais valia da componente formativa da avaliação cairá assim por terra quando o aluno não tiver a certeza absoluta que os resultados do seu trabalho se devem, exclusivamente, ao seu estudo e empenho. Se a avaliação não serve para formar o aluno, mas apenas para o classificar (ou antes, para o transitar de ano), então a própria avaliação perde a sua razão de ser.
Depois de explicar em que consiste este erro de “julgar em causa própria” e prevendo uma consequência fatal para o ensino – o aluno não compreender o valor do seu trabalho –, passemos ao remédio anunciado pelo Ministério da Educação: aplicar esse procedimento logo que sejam superadas as “dificuldades técnicas e de concretização”.
Será que quando se apurar quantas equipas envergam camisolas com a cor branca e qual a quantidade de branco presente nessas camisolas, já será então razoável que o mesmo árbitro julgue em causa própria?
Se os factores que se alteram não modificam os resultados então o problema (e o erro) persistem. Mas, para melhor se explicar a incongruência, imaginemos o seguinte diálogo:
- Sra. Professora posso atirar com ovos à Sra. Ministra da Educação?
- Claro que não Zézinho, claro que não! Isso não se faz, está errado!
- E amanhã Sra. Professora, amanhã posso?
- Sim Zézinho, amanhã podes!
- Mas amanhã não é errado?
- Sim Zézinho. Continua a ser errado, mas amanhã a Sra. Ministra vem cá à escola e aí já não terás “dificuldades técnicas e de concretização”!
Assim, como na anterior circunstância, o erro continua a ser um erro e também ninguém espera, certamente, que estas circunstâncias se alterem de tal maneira que as proposições erradas se tornem verdadeiras. Ou seja, não se espera que a avaliação perca a sua qualidade formativa para que não haja qualquer incompatibilidade se a avaliação do aluno vier a ser um critério da avaliação do professor, assim como não se espera que a Sra. Ministra proceda de tal forma que se torne correcto atirar-lhe com ovos.

2 – Menos papeis na avaliação dos professores
Na anunciada questão de desburocratização de todo o processo, esquecendo-se que as medidas que provocaram a acumulação de resmas de papel partiu de quem agora imputa às escolas a complexificação do sistema, espera-se, como panaceia para todos os males, que menos suportes de registo do “erro” tornem o erro menos errado, ou até, na melhor das hipóteses, tornem o erro certo!
Tratando-se então de uma questão de percepção (o certo e o errado), ocorre a imagem das sombras enganadoras, assim como as descreveu Platão, na “Alegoria da Caverna”. Mas, se este conteúdo não for acessível às crianças (a quem se pretende explicar), pode cruzar-se, numa perspectiva de interdisciplinaridade, com um outro conteúdo, análogo nestes termos, o do Sistema de projecções ortogonais, vulgo Método Europeu (esse sim explicado às crianças no Ensino Básico):
Uma resma de papel tem como projecção frontal um rectângulo idêntico ao que projectaria uma única folha. Assim se explica que alguém acorrentado de modo a ter um único ponto de vista, como na alegoria de Platão, apenas vê a sombra frontal da resma de papel e poderá pensar que se trata de uma única folha.
Será então difícil de dirimir esta questão quando uma das partes apenas quer ver uma única folha e a outra parte se vê obrigada a lidar com a realidade das resmas. Como não estamos acorrentados às paredes de uma caverna e podemos ver tudo, conclui-se: “O pior cego é aquele que não quer ver”.

3 – O regime do “facultativo obrigatório”
Apresentam-se como medidas de subtracção da sobrecarga de trabalho, derivada deste processo de avaliação, novas possibilidades de opção (e “simplificação”). Nesse sentido determina-se que os professores podem escolher um avaliador da sua área disciplinar e também que a observação das aulas, por parte do avaliador, se torna facultativa. Aparentemente resolve-se dois grandes problemas que incomodavam os professores, mas será que assim é? Imaginem então a seguinte situação no contexto escolar:
- Meninos, a partir de agora será possível que os vossos Encarregados de Educação participem na atribuição das vossas classificações.
- Serão os nossos pais a dar as notas?
- Não, serão só as vossas mães!
- Mas Sra. Professora o meu Encarregado de Educação é o meu pai!
- Sra. Professora a minha mãe já morreu!
- Tenho muita pena, mas as regras são estas!
- Sra. Professora isso quer dizer que mesmo depois de ter atirado ovos à Sra. Ministra posso vir a ter positiva?
- Sim Zézinho, as regras são estas!
Alguém entenderia como justa uma avaliação em que, por circunstancias não imputáveis ao avaliado, se procedesse de forma tão desigual? Seria justo que o Zézinho (que neste exemplo é o pior aluno), por reunir as condições referidas, fosse beneficiado face aos restantes alunos? Se ainda houver dúvidas voltemos a um exemplo anterior:
Dá-se então duas hipóteses ao árbitro que dependia da vitória das equipas que envergassem camisolas com a cor branca para progredir na sua carreira: a primeira é a possibilidade de escolher não arbitrar equipas que enverguem camisolas com a cor branca e a segunda é a possibilidade de escolher outra liga para arbitrar. Na primeira hipótese o árbitro vê-se num impasse ao constatar que na sua liga todas as equipas envergam camisolas com a cor branca (afinal não tinha hipótese de escolha!).
O mesmo vale para as inúmeras circunstâncias em que o professor não tem de facto ao seu alcance um avaliador da sua área disciplinar para o avaliar. Pergunta-se então, de que serve saber que nos podem dar algo que nunca poderemos receber? Será de facto um direito aquele que não se pode usufruir?
Na segunda hipótese o árbitro vê-se num outro impasse ao constatar que qualquer liga é inferior à sua e se escolher outra, porque nela não existem equipas que enverguem camisolas com a cor branca, estará a desistir da progressão na sua carreira, com perdas no seu vencimento (afinal, também aqui, a escolha é entre a “espada e a parede”!).
Voltando à escola percebe-se que, relativamente às aulas assistidas, não ter possibilidade de escolha (o que é ”mau”) e a escolha ser entre “mau” e “péssimo”, não será certamente uma solução. Com isto um único parâmetro da avaliação docente sobrepõe-se, de forma despropositada, a todos os outros, mesmo aqueles que poderão ter mais impacto no desempenho pedagógico do professor e no sucesso escolar (supostamente a razão última da Avaliação de Desempenho dos Docentes). Facilmente se chega então às seguintes conclusões:
1– Julgar em causa própria: se as notas dos alunos contarem para a avaliação dos professores será a mesma coisa que acabar com a avaliação dos alunos! Será o fim do nosso ensino!
2 – Pior cego é aquele que não quer ver: só não vê quem não quer que este modelo de avaliação é mau para todos (e mesmo assim há quem não queira ver!).
3 – Primeiro “mau” depois a escolha entre “mau” e “péssimo”: de nada serve poder escolher um avaliador da mesma área se não houver um! De nada serve poder escolher não ter aulas assistidas se isso torna impossível avançar na carreira! As “soluções” apresentadas são novos problemas!
Assim, para concluir, pode exemplificar-se, de forma ainda mais simples e definitiva, as novas iniciativas ministeriais que configuram as intenções de sempre:
- Srs. Professores como querem morrer, as opções são: por tiro ou por enforcamento?
- Mas nós não queremos morrer!
- Isso não é uma opção, a morte é certa!

O que se apresenta não são soluções para o ensino, mas sim mais problemas. Estes problemas foram explicados a uma criança de 10 anos que compreendeu e agora sabe o que se passa.

E você? Sabe tanto como um miúdo de 10 anos? Ou vai na conversa da Ministra da Educação?

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