sexta-feira, 8 de maio de 2009

Desobediência pedagógica

Alain Refalo - Em consciência, recuso-me a obedecer

Alain Refalo
A acção que desencadeei através da carta que dirigi ao meu inspector, na qual o informo de que, em consciência, me recuso a obedecer a determinadas decisões ou recomendações emanadas superiormente no início do ano lectivo, foi uma acção cuidadosamente ponderada. Ao mesmo tempo, reflecte situações já antigas pois, nos últimos meses, tivemos muitas reuniões, dedicámos tempo a discutir com colegas e com pais de alunos, onde analisámos o conjunto das medidas ou reformas que nos caíram em cima, reformas para as quais nunca fomos ouvidos nem achados e que, consideradas de uma ponta à outra, concluímos que iriam conduzir ao desmantelamento da educação nacional. Pelo que creio ter havido um amadurecimento do processo que me levou, já no início do ano, a tomar algumas decisões para as minhas aulas que eram conformes às conclusões que tirámos e, ao fim de algumas semanas, decidi dar conhecimento formal ao meu inspector sobre tais decisões, além de as publicitar para o público em geral num blogue. O que se verificou nos últimos quinze dias foi que outros professores retomaram o modelo de carta que publiquei no blogue, usaram os termos da carta que eu escrevi, escreveram eles próprios outras cartas dirigidas aos seus inspectores ou aos seus reitores e deram disso conhecimento. público Assim, publicamos todos os dias uma nova carta individual no nosso blogue. Mas, mais interessante ainda, surgiram iniciativas colectivas no seio das escolas, os professores juntaram-se, redigiram as suas próprias cartas, assinaram-nas colectivamente e enviaram-nas aos respectivos inspectores. Muito recentemente na Euro, uma intersindical, o conjunto dos sindicatos da Intersindical de L'Enseignement de l'Euro consertaram-se sobre um modelo de carta que vão difundir largamente entre os colegas professores e essas cartas serão enviadas colectivamente a 17 de Dezembro à Inspecção Escolar.
Encontramo-nos portanto no meio de um movimento colectivo que exercerá uma pressão forte sobre o ministério. É verdade que a desobediência pedagógica ou a desobediência civil não fazem parte dos meios de acção tradicionais dos sindicatos, não faz parte da cultura sindical. Os sindicatos são mais propensos a acções como as manifestações, as petições ou as greves. Creio termos hoje atingido, infelizmente, os limites destes métodos de acção na medida em que o próprio governo proclama abertamente que está pronto a resistir a esse tipo de acções, está pronto a suportá-las. O Sr Sarkozy declarou mesmo que, quando há hoje uma greve em França, já ninguém repara nela, o que é bem verdade. O governo está preparado para enfrentar um movimento grevista maciço. Portanto, a questão que se coloca é: como podemos nós alterar a nosso favor a correlação de forças? Como iremos nós radicalizar - no bom sentido - a luta, na direcção de uma marcha inédita, feita de desobediência civil e pedagógica, que permita finalmente aos professores apropriarem-se de novos instrumentos de luta. Exige-se aos professores, em suma, descartar, recusar um certo número de reformas, contrariarem tais reformas. Exige-se agora, finalmente, aos professores (...).
Assim, coloca-se à consciência uma questão forte: Será que, enquanto professores e funcionários, estamos condenados a colaborar no desmantelamento da educação nacional? Será que, ao obedecermos ou ao nos mantermos silenciosos, não assumimos uma responsabilidade? Creio que aí encontramos um incentivo, um posto de observação, a partir do qual cada professor, individualmente ou em conjunto, pode decidir-se a enveredar pela resistência. Não apenas resistência por palavras, mas também por actos, actos concretos que comprometem, que levantam o risco de sanções. Creio ser inédito na educação nacional, não apenas que se tenha tomado a iniciativa de desobedecer, como a de se tornar pública essa desobediência. É a publicitação dessa desobediência, pela amplitude social que assume, que tem a possibilidade de alterar a correlação de forças.
Esta acção de resistência pela desobediência não é apenas uma acção de contestação, uma acção de oposição. É também uma acção que se destina a construir, a propor. Claro que o modelo de escola a que aspiramos não é o da escola-competição, não é o modelo do escalonamento dos alunos, não é o do despique entre os estabelecimentos escolares, creio que o modelo a que aspiramos é o modelo em que as crianças reencontrarão o prazer em se dirigirem à escola, reencontrarão o prazer em aprender e, no plano pedagógico, a empreender projectos cooperativos capazes de as pôr a construir coisas em conjunto, a aprender em conjunto, a se ajudarem mutuamente. Creio, finalmente, tratar-se de uma escola ao serviço de uma sociedade da solidariedade, de uma sociedade onde não estejamos uns contra outros mas uns com outros. Creio ser também este o sentido do actual movimento. Ao mesmo tempo que recusamos, que contestamos e que desobedecemos, sem mesmo esperarmos que a lei mude, concretizamos alternativas pedagógicas que despertem a chama da cooperação e da solidariedade.
Relativamente à minha situação pessoal, de momento decorre um inquérito administrativo. Quer dizer que o inspector da Academia deu ordem ao inspector da Circunscrição para elaborar um relatório, no qual devem constar os pontos de desobediência. Este último procurou-me para averiguar as minhas motivações e certificar-se que as minhas palavras durante as entrevistas confirmam aquilo que deixei escrito. Agora vem às minhas aulas com regularidade para verificar se aquilo que disse e que escrevi corresponde exactamente àquilo que faço, ou inversamente. Está portanto na fase da redacção do relatório baseado naquilo que observou durante as visitas às minhas aulas. Depois disso, penso que a Inspecção da Academia irá convocar-me e mais tarde virá o tempo de reflexão sobre a sanção, caso venha a ter lugar. É preciso saber que hoje decorre uma petição na internet, no sítio do SNIPP para me apoiar e exigir que não recaia sobre mim qualquer sanção. Esta petição já foi assinada por muitos milhares de pessoas. Está a ser constituído um comité de apoio. Os pais dos alunos da minha classe têm uma proposta que será dirigida à Inspecção da Academia junto com uma carta na qual expressam a sua preocupação com o que acontecerá com os meus alunos.
Sou Alain Refalo, professor desde há dezoito anos; além disso, sou um militante da não-violência desde há mais de vinte e cinco anos. A não-violência é uma forma de luta, uma forma de resistência. Tem já uma longa história a não-violência, desde os combates de Gandi e de Martin Luther King e é nestes combates que hoje me encontro, é nesses combates que hoje me inspiro. Creio ser um professor militante, muito simplesmente.

En conscience, je refuse d'obéir
(Tradução da entrevista filmada)

Sem comentários: