quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ricardo Araújo Pereira: "Corrupção?"


Este país não é  para corruptos
Em Portugal, há que ser especialmente  talentoso para corromper. Não é corrupto quem quer
    
 

… Que Portugal é um país livre de corrupção sabe toda a  gente que tenha lido a notícia da absolvição de Domingos Névoa. O tribunal deu como  provado que o arguido tinha oferecido 200 mil euros para que um titular de cargo  político lhe fizesse um favor, mas absolveu-o por considerar que o político não  tinha os poderes necessários para responder ao pedido. Ou seja, foi oferecido um suborno, mas a um  destinatário inadequado. E, para o tribunal, quem tenta corromper a pessoa errada não é  corrupto- é só parvo. A sentença, infelizmente, não esclarece se o  raciocínio é válido para outros crimes: se, por exemplo, quem tenta assassinar a  pessoa errada não é assassino, mas apenas incompetente; ou se quem tenta  assaltar o banco errado não é ladrão, mas sim distraído. Neste último caso a  prática de irregularidades é extraordinariamente difícil, uma vez que mesmo  quem assalta o banco certo só é ladrão se não  for administrador.
O hipotético suborno de Domingos Névoa estava  ferido de irregularidade, e por isso não podia aspirar a receber o nobre título  de suborno. O que se passou foi, no fundo, uma ilegalidade ilegal. O que,  surpreendentemente, é legal.  Significa isto que, em Portugal, há que ser especialmente talentoso para  corromper. Não é corrupto quem quer. É preciso saber fazer as coisas bem feitas  e seguir a tramitação apropriada. Não é acto que se pratique à balda, caso  contrário o tribunal rejeita as pretensões do  candidato. "Tenha paciência", dizem os juízes. "Tente outra vez. Isto não é corrupção que se  apresente."


Sem comentários: