O país mais cristão do mundo
No ano de 1143, o Papa Inocêncio II reconheceu que Portugal era um país. Oitocentos e sessenta e sete anos depois, temo que Bento XVI venha cá dizer-nos que talvez o seu antecessor se tenha precipitado
Quinta-feira, 6 de Mai de 2010
No ano de 1143, o Papa Inocêncio II reconheceu que Portugal era um país*. Oitocentos e sessenta e sete anos depois, temo que Bento XVI venha cá dizer-nos que talvez o seu antecessor se tenha precipitado. O Papa visita Portugal numa altura em que, ao que dizem pessoas versadas em economia, embora contradizendo outras pessoas igualmente versadas em economia, o País está à beira da bancarrota. É inquietante não perceber se o Papa vem abençoar-nos ou dar-nos a extrema-unção. Seria demasiado atentatório do protocolo que o Presidente Cavaco Silva tentasse convencer o Santo Padre a devolver-nos aquelas quatro onças de ouro que D. Afonso Henriques começou a pagar anualmente à Santa Sé? Podia ser uma boa ajuda para sair da crise, mas é provável que o Vaticano já tenha gasto tudo em hóstias e talha dourada.
Portugal pode ao menos aproveitar a visita do Papa para aprender com a Igreja, sobretudo nesta altura em que o País parece condenado a fazer à União Europeia o que a Igreja faz aos fiéis: pedir esmola. Na verdade, dificilmente haverá país que viva mais de acordo com a lei de Cristo do que Portugal: há anos que os portugueses têm vindo a despojar-se dos bens materiais e a abdicar da riqueza. Se os países morressem (e não é assim tão certo que o nosso não esteja com os pés para a cova), Portugal seria certamente dos que iriam para o céu.
Para o Papa, visitar Portugal é a decisão mais inteligente que poderia ter tomado. A Igreja tem sido abalada pelo escândalo de pedofilia, e não haverá nada mais sensato a fazer quando se está envolvido num escândalo do que viajar para um país em que os escândalos são corriqueiros. De todos os altos dignitários que vai encontrar, Bento XVI deve ser o que está menos atormentado por escândalos. Portugal é a Brobdingnag dos escândalos. Assim como Gulliver se sente mínimo em Brobdingnag, qualquer escândalo estrangeiro se sente pequenino em Portugal. O périplo do Papa pelo nosso país será o equivalente a uma pessoa que tem uma pequena nódoa na camisa ir rodear-se de pintores de parede com os fatos-macaco todos sarapintados. Quem se atreverá a censurar o Papa por comandar uma instituição que só pediu desculpa a Galileu mais de 350 anos depois do seu julgamento quando é essa, precisamente, a duração média de um julgamento em Portugal? Aqui, qualquer um se sente impoluto. Deve ser nisso que consiste a nossa celebrada hospitalidade.
* Mais ano menos ano, mais Papa menos Papa. Não me chateiem. O rigor histórico atrapalha quem quer trabalhar.
Ricardo Araújo Pereira
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