Obviamente, eu não concorro. Mas, aguardo outras tomadas de posição sobre uma espécie de acesso a um concurso que nunca virá a acontecer
A divisão da carreira entre titulares e meros professores, tanto no princípio que lhe está subjacente, como na forma de provimento e enchimento dos quadros de titulares a partir de um concurso absolutamente arbitrário e injusto, está na base do mal-estar e da degradação do ambiente que se vive nas escolas, mercê de artificiais e casuísticas ultrapassagens na carreira e dos inerentes problemas de auto e de hetero reconhecimento em termos da autoridade e competência exigíveis para funções de coordenação e de avaliação.
Aliás, esta circunstância é confirmada no último relatório do CCAP e o próprio ministério da Educação tentou escamotear a mentira e o erro que criou, implementando acções de formação, com tanto de rápido, como de ridícula substância e exigência.
A estes problemas desencadeados pela incompetência e falta de seriedade do ministério da Educação, acresce a rejeição universal da divisão da carreira, tanto por parte da esmagadora maioria dos professores e dos especialistas em educação, como de todos os partidos da oposição.
Ora, considerando estas realidades e tendo em conta o expectável quadro político que sairá das eleições legislativas, claramente de ausência de maioria por parte de um só partido, é uma evidência que este concurso de acesso à categoria de professor titular, não só nunca irá ocorrer, como a divisão da carreira terá os dias contados. Como tal, esta espécie de promessa de um contrato de compra e venda de lugares de titular é um logro, uma falta de seriedade e um sinal inequívoco de ausência de sentido democrático por parte deste Governo e de Sócrates, em particular.
Por tudo isto e firmado às posições de coerência que tenho vindo a assumir e de que não abdicarei, não me resta outra posição que a de NÃO CONCORRER a qualquer lugar de titular numa divisão que rejeito, mas também porque este Governo e este PS de Sócrates não contarão com o meu apoio encapotado às suas deploráveis políticas educativas, pois é isto que, nesta fase, esta gente sem escrúpulos procura obter.
Como estou convencido que as pessoas, as estruturas políticas e as organizações representativas dos professores orientam as suas decisões e agem em função daquilo que afirmam e defendem publicamente, saúdo as reafirmações da rejeição da divisão da carreira e/ou do consequente apelo à não participação na encenação do "diz que é uma espécie de concurso", mas também aguardo um conjunto de tomadas de posição inequívocas, sem lugar a qualquer tipo de cedências ou de evasivas, por parte de outras entidades.
Assim, aplaudo ou aguardo, conforme os casos, as seguintes tomadas de posição:
Tomada de posição dos professores:
Para além de muitos professores que, em nome individual, já manifestaram na blogosfera e por e-mail a sua intenção de não alinharem em mais esta manobra desonesta do ministério da Educação, espero, em nome da coerência e da dignidade pessoal e profissional de cada um, que os milhares de professores que gritaram nas ruas o fim da divisão da carreira e que contribuíram, decisivamente, para derrotar este PS, nas eleições europeias, se mantenham firmes nos seus princípios e não tombem na praia (até o momento escolhido vem a propósito) perante uma simples miragem de coisa nenhuma.
Se outras razões não houvesse para acabar com a divisão da carreira, bastava ter presente, quer a degradação do clima e das relações que estas medidas prepotentes e discricionárias desencadeiam nas escolas, quer a circunstância, não despicienda, de muitos dos melhores professores, pela afirmação da nobreza dos seus valores, dos seus princípios e da sua dignidade se excluírem da participação nestas medidas embusteiras, vendo-se ultrapassados por alguns colegas (felizmente, uma minoria) que espreitam, de forma oportunista, o momento de obter uma vantagem que de outro modo não conseguiriam, como aconteceu com muitas candidaturas ao "muito bom" e ao "excelente". Não me parece que seja com este núcleo reduzido de pessoas que um país possa construir uma escola de excelência e de exigência, até em termos do exemplo da cidadania.
Tomada de posição dos movimentos independentes de professores e dos bloggers de referência:
Por força da dinâmica da sua estrutura e da sua organização, o PROmova, a APEDE, o MUP e os blogues mais visitados, nomeadamente os editados pelo Ramiro Marques e pelo Paulo Guinote (aqui com a estratégia arriscada do vamos lá todos entupir e com um texto de protesto – se bem percebi, o que seria sempre lido pelo atrevido Valter Lemos como uma adesão massiva à coisa), reagiram, de imediato, no sentido da reafirmação do fim da divisão da carreira e do boicote a este mecanismo de acesso ao concurso.
Tomada de posição da FENPROF:
Como era expectável face às posições sempre assumidas contra a divisão da carreira e o concurso para professores titulares, a FENPROF rejeita este pretenso presente envenenado e denuncia a falta de seriedade desta equipa ministerial, a qual se teria comprometido a não abrir, nesta legislatura, nenhum concurso para acesso à categoria de titular. Pelos vistos, honrar a palavra dada é conduta que não se usa na pior, até do ponto de vista ético, equipa ministerial de sempre.
Torna-se, agora, indispensável que a FENPROF tenha a vontade e a abertura para preparar, em articulação com os movimentos de professores, impressivas acções de luta para Setembro que possam condicionar o rumo das eleições legislativas.
Tomada de posição da FNE:
Uma vez que sempre se manifestou contra a divisão da carreira, não se espera outra tomada de posição que não seja a denúncia e a recusa desta estratégia do ministério, sem as meias-tintas de andar a divulgar documentação relativa ao acesso ao concurso ou de não apelar claramente à não participação dos professores em mais esta afronta.
Tomada de posição dos partidos da oposição:
Tendo em conta que todos os partidos da oposição já se manifestaram publicamente contra a divisão da carreira e o PCP e o BE já, inclusivamente, inscreveram esta medida revogatória nos seus programas eleitorais, torna-se imprescindível que venham denunciar esta tentativa anti-democrática de interferência nas decisões e nas acções que vão competir ao próximo governo, onde não caberão, certamente, nem esta equipa ministerial, nem estas políticas educativas e, estou convicto, nem este primeiro-ministro.
Estamos, pois, perante uma grave ofensa ao escrúpulo democrático e este não é violentado apenas quando estão em causa concursos para o TGV, pois uma escola pacificada e verdadeiramente qualificada é um investimento de maior impacto e mais duradouro do que qualquer comboio.
Tomada de posição do Presidente da República:
Bem sei que os professores portugueses não têm grandes expectativas relativamente a qualquer tomada de posição do presidente da República em defesa da classe mais prestigiada aos olhos dos portugueses, até tendo em conta que já o fez relativamente a outras classes. Aliás, ainda recentemente, promulgou a manutenção do regime simplificado da avaliação do desempenho. Ter-lhe-ia ficado bem uma nota a esclarecer as condições em que ocorreu esta promulgação, pois não é agradável vermos uma pessoa exigente e rigorosa como é Cavaco Silva sancionar uma lei que, além das discrepâncias jurídicas já admitidas por Sócrates (pasme-se!), está transformada, no terreno, numa autêntica farsa e num faz de conta que existe avaliação do desempenho. Os professores esperavam uma maior preocupação e cuidado por parte do presidente da República relativamente à balbúrdia e às injustiças que reinam nas escolas.
Sobretudo, quando se têm verificado reacções públicas em assuntos mais próximos do umbigo presidencial, como a exclusão do Professor Lobo Antunes do Conselho de Ética, mas sem a relevância e a gravidade que têm as matérias educativas.
Todavia, no caso vertente da abertura desta fase de acesso a um concurso que tem subjacente uma divisão da carreira construída sobre arbitrariedades e injustiças e que é rejeitada pela generalidade dos professores e por todos os partidos da oposição, algo nunca visto na democracia portuguesa, justificava-se uma intervenção do presidente da República (sei que é ingenuidade minha, mas a filigrana da argumentação devia sobrepor-se à tradição e aos cálculos políticos), pois trata-se de uma violação grosseira do respeito democrático pelas escolhas dos eleitores no próxima dia 27 de Setembro.
Tomada de posição dos eleitores:
Todos os cidadãos eleitores verdadeiramente preocupados com a qualidade e a exigência da escola pública devem tomar posição contra o caos e as injustiças que este governo desencadeou nas escolas ao longo da legislatura (algo que não é remediável com obras de requalificação, pois na escola a vertente decisiva é a que respeita ao factor humano e, especificamente, aos professores, tão afrontados por este governo na sua dignidade profissional), penalizando eleitoralmente este PS de Sócrates, além do mais porque este primeiro-ministro e esta ministra da Educação lhes venderam um facilitismo que, embora atractivo no imediato, acarretará um preço elevado que os seus filhos e educandos pagarão no futuro, quando confrontados com mercados competitivos que reclamam verdadeiras qualificações.
Octávio V Gonçalves
(NEP e NBlogger)